quinta-feira, 26 de julho de 2012

Uma história de um especialista e sua trajetória.


Nostalgia à mesa

18 agosto 2009 |por Carlos Cabral |4 Comentários

              Este texto é sobre uma receita de bacalhau que marcou época e me deu uma enorme coleção de amigos. Fui proprietário, em sociedade, da Casa Cabral, uma bonita loja nos Jardins, bairro de São Paulo. O lugar oferecia 1.000 rótulos de vinhos, entre eles 187 do Porto, além de uma infinidade de comidas importadas e o melhor da delicatessen brasileira da época, o que incluía um bacalhau que fez história.

No piso superior da loja havia uma sala destinada aos cursos de vinho que ministrei continuamente por três anos. O espaço tinha cinco mesas e 20 cadeiras. Certo dia, resolvemos montar ali uma sala de refeições para servir apenas bacalhau, somente dois dias por semana, e só no almoço. No cardápio, três pratos: bacalhau nas natas, bacalhau ao vinho do Porto (receita de José Antonio Ramos Pinto Rosas) e o bacalhau assado com batatas ao murro – uma versão levemente modificada por mim do célebre bacalhau à lagareira.

Um trio de ouro de portugueses fez a vez de pilotos de provas dos pratos: os confrades Armando Reis e Emídio Dias de Carvalho e o todo-poderoso senhor dos hipermercados Eldorado, Adelino Veríssimo. Coitados, tiveram de comer um bacalhau salgadíssimo – eu ainda não havia acertado a mão na arte de de molhar o peixe. Após dois meses de testes, só o assado com batatas ao murro ficou no cardápio até o fechamento da Casa Cabral, a 30 de outubro de 1995.

Uma grande posta de bacalhau (Porto Imperial 8/10), muito branco, sem a pele, empanada na farinha de rosca com pó de alho, que recebia um banho de azeite bem quente antes de ir por 10 minutos ao forno. Esse foi por dois anos a alegria de muita gente. E graças a esses admiradores, a lenda tomou forma.

O grande criador de vinhos da Bairrada, Luis Pato, afirma até hoje nunca ter provado nada igual. Alguns clientes que ficaram assíduos saboreadores desse prato solicitaram que eu o fizesse em suas casas em dias de festa familiar.

E lá íamos, Leda e eu, para a agradável missão. O artista plástico Emanuel Araújo, o banqueiro Toninho Herman, o empresário Emílio Odebrecht, o investidor Gilberto Bomeny, o nobre italiano Ângelo Granito di Belmonte, o chef Sergio Arno, os amigos Lina e Candeias, e o pessoal da banda Titãs estão entre os tantos que prestigiavam com assiduidade o pequeno restaurante. Até Paul Pontalier, enólogo-chefe do Château Margaux, provou desse bacalhau.

O mesmo peixe preparado para o restaurante era vendido limpo e sem pele na loja. A dupla Juscelino e Edvaldo, com dois alicates utilizados para cirurgias ortopédicas (peças de superinox que não enferrujam em contato com o sal), retiravam as espinhas maiores do peixe, sem lhe rasgar a carne, embalavam com cuidado e exibiam suas obras de arte na geladeira no fundo da loja. E para aqueles que compravam o bacalhau dessa forma, passávamos a receita com muito carinho – era nossa maior propaganda.

E não posso esquecer os vinhos que a loja fornecia ao preço da prateleira. Lançamos e ajudamos muito no sucesso do verde Trajadura, da Quinta da Aveleda, e do tinto Esporão Reserva. Grandes experiências com vinhos foram realizadas com esse prato: degustamos de Barca Velha a Sauvignon Blanc da Nova Zelândia – uma raridade na época. A maior ousadia foi acompanhar o prato, a pedido de um senhor mexicano, com Champagne Veuve Cliquot Brut!

Por diversas vezes, na Quaresma, veículos de comunicação nos entrevistaram sobre o preparo do peixe. Lembro-me de uma equipe de filmagem comer uma baciada de bolinhos de bacalhau enquanto gravava nosso trabalho.

Até hoje cruzo com pessoas que pedem para voltar a preparar o prato e servi-lo. Foi um tempo bom aquele, mas o melhor foram as amizades que dele brotaram e que até hoje se mantêm.

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